Carta dos Estudantes Negros/as ao departamento de Ciências Sociais (DCSO/UFES), 2017.

"Por menos que conte a história
Não te esqueço meu povo
Se Palmares não vive mais
Faremos Palmares de novo."

José Carlos Limeira, Quilombos-Fragmentos.

Nós estudantes negras e negros do curso de Ciências Sociais, reunidos na 3a Assembleia geral de estudantes negros/as, realizada no dia 26/10/2017 no Centro Acadêmico Livre de Ciências Sociais, vimos por meio deste documento EXIGIR que a partir do próximo semestre 2018/1 TODAS as disciplinas ofertadas pelo curso de Ciências Sociais (optativas e obrigatórias) possuam em sua bibliografia OBRIGATÓRIA, no MÍNIMO, 2 autoras/autores negros. O tom dessa carta é de exigência, e não de pedido, pois entendemos que historicamente o conhecimento produzido na área de Ciências Sociais contribuiu profundamente para a permanência e o fortalecimento de ideologias racistas no Brasil (vide as teorias de “Branqueamento social e democracia racial”).

É urgente, portanto, que nosso curso tome uma outra postura frente a essas narrativas hegemônicas (que inclusive são lidas no curso, ao contrário do pensamento de autoras/autores negros). Casos específicos podem ser discutidos, como em disciplinas optativas com formatos diferenciados. Entretanto, não podemos continuar lendo e discutindo uma bibliografia estritamente branca e masculina depois de mais de 100 anos de abolição. A universidade mudou e precisamos estar atentos para os outros corpos e intelectualidades que a ocupam.

Entendemos que nossa reivindicação encontra apoio nos principais documentos publicados pelo MEC (Ministério de Educação), que regulamenta o funcionamento do curso de Ciências Sociais, e pela SECADI (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão). Como, por exemplo, o Plano nacional de implementação das diretrizes curriculares nacionais para educação das relações etnicorraciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana (2004), que atribui às instituições de Ensino Superior a responsabilidade de:

  • Incluir conteúdos e disciplinas curriculares relacionados à Educação para as Relações Etnicorraciais nos cursos de graduação do Ensino Superior, conforme expresso no §1° do art. 1°, da Resolução CNE /CP n. 01/2004;

  • Desenvolver atividades acadêmicas, encontros, jornadas e seminários de promoção das relações étnicorraciais positivas para seus estudantes;

  • Dedicar especial atenção aos cursos de licenciatura e formação de professores, garantindo formação adequada aos professores sobre História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e os conteúdos propostos na Lei 11645/2008;

  • Desenvolver nos estudantes de seus cursos de licenciatura e formação de professores as habilidades e atitudes que os permitam contribuir para a educação das relações etnicorraciais com destaque para a capacitação dos mesmos na produção e análise critica do livro, materiais didáticos e paradidáticos que estejam em consonância com as Diretrizes Curriculares para Educação das Relações Etnicorraciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africanas e com a temática da Lei 11645/08;

  • Fomentar pesquisas, desenvolvimento e inovações tecnológicas na temática das relações etnicorraciais, contribuindo com a construção de uma escola plural e republicana;

  • Estimular e contribuir para a criação e a divulgação de bolsas de iniciação científica na temática da Educação para as Relações Etnicorraciais;

  • Divulgar junto às secretarias estaduais e municipais de educação a existência de programas institucionais que possam contribuir com a disseminação e pesquisa da temática em associação com a educação básica.

Sabemos que nem metade dessas obrigatoriedades são cumpridas em nosso curso e em nossa Universidade. E entendemos que Incluir autores negros na bibliografia é contribuir para o debate e garantir espaço para que a Educação das relações étnicorraciais aconteça (haja vista os últimos acontecimentos racistas ocorridos em nosso curso). Sabemos que alguns professores fazem essa inclusão, mas isso ocorre de modo isolado e nosso intuito é que essa prática torne-se uma política do curso de Ciências Sociais.

Afirmamos ainda que não desejamos ler apenas autores negros que debatam questões relacionadas às relações étnicorraciais porque ao contrário do que a branquitude pensa nosso povo tem uma produção extensa que abrange diversas áreas e temáticas.

Nos propomos a auxiliar os docentes no sentido de encaminhar drives com textos e materiais de apoio para que vocês não justifiquem a não-escuta de nossa reivindicação, afirmando que não têm conhecimento da produção intelectual negra.

Desejamos também outros mundos não-racistas possíveis, que infelizmente não cabem nessa carta.

Atenciosamente,

Lucas Inácio, Ana Beatriz Moreto, Vanessa Carvalho, Gabriela Ramos, Ana Luiza Ozanan, Igor Torquatro, João Victor Santos, Washington Galvão, Tamyres Batista Costa.

Documento entregue ao departamento em 14 de Novembro de 2017.

Referências:

Nossa luta, inscrita no corpo. Há mais de 500 anos, sem data e sem publicação. Vida.

Plano nacional de implementação das diretrizes curriculares nacionais para educação das relações etnicorraciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana, 2004. MEC/SECADI. Disponível online.